Dólar dispara e renova preocupação com a inflação brasileira
Em decisão da semana passada, Copom mencionou piora dos riscos que avalia para a condução dos juros do país
Do início de 2024 até o fechamento
desta segunda-feira (5), o dólar já disparou 18,31%. A moeda norte-americana
encerrou o dia cotada a R$ 5,7412, depois de ter ultrapassado a barreira dos R$
5,86 durante o pregão.
Como mostrou o g1, a disparada se
intensificou nos últimos dias, em meio ao receio de uma recessão econômica nos
Estados Unidos. Mas entram na equação uma longa preocupação com o cenário
fiscal brasileiro e a intensificação dos conflitos no Oriente Médio.
A taxa de câmbio é um problema direto
para quem pensa em viajar para fora do país ou realizar uma compra
internacional. Mas também é um "veneno" para as cadeias produtivas,
que sobe o custo de produção e desemboca em uma inflação mais forte.
Além do preço mais alto de
produtos e insumos importados, há impacto em commodities, por exemplo, que
passam a ser exportadas e reduzem a oferta por aqui.
O que esperar da inflação brasileira
As expectativas de inflação vêm subindo nos últimos meses.
Nesta semana, o boletim Focus —
relatório do Banco Central do Brasil (BC) que reúne as projeções de economistas
do mercado financeiro para os principais indicadores econômicos do país — traz
uma estimativa de 4,12% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em
2024. No fim do primeiro trimestre, girava em torno de 3,75%.
Como mostrou o g1, a desvalorização
recente do câmbio e a piora das expectativas obrigaram o Comitê de Política
Monetária (Copom) a ser mais duro no comunicado de sua última decisão sobre os
juros, para não deixar a inflação brasileira sair do controle.
Agora, com o agravamento da situação
vista nessa segunda, há mais um forte elemento de pressão sobre o dólar — que
traz consequências para a inflação.
A taxa de câmbio leva algum tempo para
fazer efeitos nos índices de preços. Se o dólar sobe alguns centavos, o IPCA
não tende a mostrar uma aceleração naquele mês, ou até no mês seguinte.
A maioria das empresas trabalha com
estoques suficientes para lidar com variações de curto prazo sem precisar
repassar imediatamente os preços para os consumidores. Se a tendência de alta é
contínua, porém, os estoques acabam e a produção começa a ficar mais custosa
devido aos reajustes de preços e aos insumos que vêm do exterior.
Um exemplo é a criação de gado. A
ração pode ser importada ou depender dos preços de grãos — que são cotados em
dólar no mercado internacional. Assim, é necessário desembolsar uma quantia
maior quando a moeda americana fica mais cara. Na ponta, o que fica mais caro é
a carne bovina.
O mesmo vale para a produção de pão e
outras massas, que dependem do trigo importado. Ou o petróleo, que é a
principal matéria-prima para a fabricação de combustíveis. Setores como
tecnologia, saúde e cosméticos têm muitos de seus insumos importados.
Desse modo, os primeiros a serem
impactados são os produtores. Os aumentos de custos causados pelo câmbio
precisam ser repassados. Então, o aumento do dólar acaba atingindo os serviços,
como comércio, e o consumidor final.
Por que a moeda americana não para de
subir
Os especialistas ouvidos pelo g1 destacam três principais fatores que
contribuem para a valorização da moeda americana sobre o real:
O receio de que uma recessão econômica
atinja os Estados Unidos;
O risco de que a escalada das tensões no Oriente Médio resulte em uma guerra
entre Israel e Irã;
A cautela com a questão fiscal brasileira.
Recessão nos Estados Unidos
O tema que mais chamou a atenção dos
investidores nestes últimos dias foi a situação econômica dos Estados Unidos,
com dados que mostram um desaquecimento acima do que se esperava da maior
economia do mundo.
O dado responsável por causar quedas
expressivas nas bolsas de valores globais e uma nova alta no preço do dólar
nesta segunda-feira foi o "payroll", um dos principais relatórios de
emprego do país.
Divulgado na última sexta-feira (2), o
relatório mostrou que os EUA criaram 114 mil vagas não agrícolas em julho, uma
desaceleração frente aos 179 mil postos de trabalho de junho e bem abaixo das
projeções de 176 mil vagas.
O setor privado gerou 97 mil postos de
trabalho, a segunda menor leitura desde dezembro de 2020. O relatório também
revelou uma alta na taxa de desemprego do país, que passou de 4,1% para 4,3%,
com destaque para um desaquecimento importante nos serviços de saúde e
educação, pontua Helena Veronese, economista-chefe da B.Side.
Outros dados de emprego já indicavam
essa desaceleração. Agora, o mercado passou a temer que os juros ainda altos
possam contribuir para um tombo mais severo da economia.
Hoje, a taxa básica está entre 5,25% e
5,50%, maior patamar em 21 anos. Juros altos encarecem processos de tomada de
crédito e financiamento para pessoas e empresas, o que tende a reduzir a
atividade econômica e diminuir o consumo da população. Podem causar justamente
uma recessão.
"O mercado realmente migrou de um
extremo para o outro. Passamos de uma preocupação sobre quando que o Fed vai
cortar juros, porque, afinal de contas, a economia está aquecida, para uma
preocupação de 'será que a economia vai entrar em recessão?'", comenta
Veronese, da B.Side.
Uma recessão nos EUA causa uma série
de impactos no mercado financeiro. O mais direto é que uma crise causa uma
redução dos lucros das empresas. Com a perspectiva de resultados piores, as
ações dessas empresas se desvalorizam.
Há outras questões indiretas: a
perspectiva de faturamento menor faz as empresas investirem menos, terem mais
dificuldades de honrar dívidas e, no limite, demitirem ou entrarem em processos
de falência.
Os investidores, por consequência,
deixam de apostar em grandes lucros e se retraem. O fluxo de dinheiro,
portanto, sai da bolsa de valores ou dos investimentos diretos em empresas para
ativos mais seguros. É o caso dos títulos de dívida americana (as Treasuries),
considerados os mais seguros do mundo.
Pelo tamanho da economia americana,
esse “caminho do dinheiro” é replicado em escala global. Isso afeta as bolsas
de outros países e dá força ao dólar.
Risco geopolítico no Oriente Médio
Para Helena Veronese, da B.Side, os
rumos do conflito no Oriente Médio podem gerar mais impacto sobre o dólar e a
inflação do que a própria atividade econômica dos EUA. A economista explica que
o mundo todo poderia sentir fortes impactos caso a situação escale ao ponto de
se tornar uma guerra entre Irã e Israel, principalmente por conta dos preços do
petróleo.
O Oriente Médio é a principal
produtora e fornecedora de petróleo no mundo e, por isso, os preços poderiam
disparar com uma redução da oferta.
A commodity faz parte de uma série de
cadeias produtivas. Quando o petróleo sobe muito, os efeitos podem ser sentidos
de maneira generalizada na inflação por meio dos serviços de transporte ou pelo
preço de bens que o utilizem na produção.
Em momentos de incerteza, como
guerras, o dólar é a moeda de refúgio para quem busca investimentos seguros.
Mais uma vez, intensifica-se a procura pelas Treasuries, por exemplo.
Risco fiscal no Brasil
Para completar, a situação fiscal do
Brasil também preocupa investidores e especialistas. O mercado continua em
dúvida sobre a capacidade de o governo federal controlar as contas públicas.
A crítica dos mercados, no entanto, é
de que as medidas anunciadas pela equipe econômica atacam principalmente a
parte das receitas, e que seria necessária uma ofensiva mais forte também do
lado das despesas.
O Ministério da Fazenda apresentou em
julho sua primeira medida voltada, de fato, para o controle dos gastos
públicos. O ministro Fernando Haddad anunciou um congelamento de R$ 15 bilhões
no Orçamento de 2024 como uma tentativa de cumprir o arcabouço fiscal. Mas,
mesmo com o congelamento, pode haver déficit das contas neste ano.
Maria Luísa Nepomuceno, analista de
renda fixa da Nord Research, afirma que o mercado espera ver uma postura de
comprometimento do governo federal como um todo com o cumprimento da meta
fiscal deste ano e dos próximos, "e não apenas alguns ministros, como o
Fernando Haddad, defendendo os cortes de gastos".
Para Ariane Benedito, economista
especialista em mercado de capitais, mais sinalizações de compromisso com a
questão fiscal poderiam ser positivas para segurar a cotação do dólar, já que,
para além do fiscal, a economia brasileira tem outros pontos positivos
atualmente.
Até onde o dólar pode ir
Como mostrou o g1 nesta segunda-feira, o dólar pode tocar a barreira dos R$ 6,
tendo em vista que os fatores que elevaram o câmbio nos últimos dias não foram
resolvidos. Mas analistas do mercado não esperam que esse seja um patamar em
que a taxa de câmbio vá permanecer por muito tempo.
As projeções do boletim Focus, por
exemplo, são de um dólar a R$ 5,30 no final do ano. E nenhuma das analistas
ouvidas pela reportagem nesta terça-feira considera uma boa opção comprar dólar
agora para se proteger das altas.
"Quando o mercado está muito
volátil, é sempre um momento de aguardar para entender as novas trajetórias que
essas variáveis vão tomar", conclui Maria Luísa, da Nord.
Como o consumidor pode se proteger do
aumento dos preços
André Colares, presidente da Smart House Investments, destaca que uma das
principais pressões inflacionárias de um câmbio mais alto vem de alimentos. E
algumas estratégias podem ser adotadas para que o consumidor tente desviar dos
choques.
A dica mais importante, segundo o
especialista, é priorizar as compras realizadas em supermercados de atacarejo
no lugar de mercados menores, de bairros. Por terem uma quantidade muito maior
de produtos, os atacarejos conseguem praticar preços menores e até repassar a
inflação com menor intensidade.
Colares também aconselha o consumidor
a estocar produtos não perecíveis, de modo a não sentir o avanço dos preços no
mês a mês. Por exemplo: comprar pacotes de arroz e feijão para passar dois a
três meses, em vez de apenas um.
Thiago Godoy, líder de educação
financeira da Rico Investimentos, fala ainda sobre a estratégia de escolher o
dia certo para realizar as compras, tendo em vista que os preços podem variar a
depender da data. Segundo ele, a tendência é que os preços sejam maiores no
começo do mês, quando as pessoas recebem o salário, do que próximo ao dia 15.
Antes de colocar isso em prática,
porém, é importante fazer pesquisas de preço, que podem ser realizadas pela
internet ou presencialmente nos mercados. Godoy recomenda que o consumidor
confira os preços do produto que precisa comprar e anote em algum lugar de
fácil acesso, para que seja possível checar sempre que necessário.
Assim, fica mais fácil — e mais
efetivo — comparar quais locais e datas são mais vantajosos para fazer as
despesas. Isso tudo é válido principalmente para os alimentos, mas as mesmas
dicas também podem ser usadas para qualquer tipo de compra.
Fonte: G1
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